domingo, 5 de setembro de 2010

29/07/10 O espaço perdido do PSD

A maior importância das principais propostas de revisão constitucional do PSD é mostrar como governará se ganhar as eleições
José Carlos Vasconcelos
0:08 Quinta feira, 29 de Jul de 2010


A maior importância das principais propostas de revisão constitucional do PSD não reside nelas próprias como tal mas no que revelam sobre a orientação política do partido e a forma como governará se ganhar as eleições. Porque sendo óbvia, dada a oposição do PS, a inviabilidade de tais propostas de mudança de princípios básicos da Constituição da República (CR), o seu único sentido útil é o de o PSD delimitar o seu próprio território e afirmar que com ele no poder acabará o atual modelo de Estado Social. Não pela impossibilidade material de o manter (embora alguns o sugiram ou com isso vagamente se justifiquem...), mas por opção ideológica. De resto, Passos Coelho já disse que pelo menos essa vantagem tinham aquelas propostas: ninguém poder dizer agora que PS e PSD são iguais.
Ora, sendo indiscutível que o PS é um partido socialista/social-democrata; e sendo-o também que com José Sócrates se situa, na teoria e na prática governativa, na "ala direita" dessa áreas (daí ser corrente dizer-se que o PS passou a ocupar o espaço do PSD; e o PCP, e amiúde também o BE, classificarem o PS como de direita) - o que Passos Coelho está a fazer é colocar o PSD totalmente fora, se ainda estava dentro, da social-democracia. Ou seja: no campo do puro liberalismo ou neoliberalismo. De tal forma que, para ser coerente e ajustar a semântica à realidade política, o partido devia voltar a chamar-se "popular democrático" (PPD), como antes, num tempo em que o seu programa era, aliás, muito mais social-democrata ou socialista que é hoje mesmo o do PS!...
Julgo que o líder do PSD está enganado: ao contrário do que pensa, a maioria dos portugueses não estão cansados do Estado Social, não lhe atribuem os malefícios e as dificuldades do momento, nem admitem ser preciso desmantelá-lo ou diminuí-lo ainda mais para "salvar" a economia. Ao invés, sabem que a crise atual, global, resulta dos excessos ou perversões daquele liberalismo ou neoliberalismo, e queixam-se de o Estado Social ser "pouco" ou não ser o que desejariam - com razão ou sem ela muitos atribuindo a culpa ao atual Governo.
Ora, ao defender, com tudo que isso significa e indicia, o fim do direito à Educação e à Saúde tendencialmente gratuitos (assim pondo de facto em causa o Ensino Público e o Serviço Nacional de Saúde, uma das grandes conquistas do nosso regime democrático e das mais importantes para toda a gente), o PSD não conquista para si um espaço que lhe seja favorável - oferece-o ao PS. Oferece ao PS, de bandeja, a bandeira mais mobilizadora: a de defensor do Estado Social, num momento em que a crise e as grandes dificuldades das pessoas mais exigem a sua existência e intervenção.
Com estas e outras propostas, como a de que se retire da CR a proibição de despedimentos "sem justa causa", se o PSD deixa de ser relativamente identificável com o PS, corre o risco de o passar a ser com o CDS - o qual, face ao perigo da invasão do seu território, até já o criticou. Assim, o PSD, além de oferecer ao PS a fundamental bandeira ou causa do Estado Social, não o "encosta" à esquerda, levando os eleitores a associá-lo ao PCP e/ou ao BE, antes lhe reforça a centralidade política. O que pode permitir ao PS, se outros fatores não intervierem em sentido contrário, reconquistar muita classe média não politizada, muito do centro e centro-esquerda que perdeu ou perderia.
Também as propostas do PSD relativas ao sistema político não são nem felizes, nem oportunas, nem prioritárias - e algumas terão até sido já abandonadas. De resto, neste domínio como em outros, as reformas mais necessárias não exigem qualquer revisão constitucional: é o caso da reforma do sistema eleitoral. Bom, mas acredito que o projeto do PSD tenha muitas coisas interessantes, ainda não conhecidas. Julgo, porém, por todos os motivos se impor que o debate sobre a revisão da CR só ocorra após as presidenciais. Por isso o PSD não devia formalizar a apresentação do seu projeto antes delas, forçando os outros partidos a apresentarem os seus nos 30 dias subsequentes e misturando o que não deve ser misturado.

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